Para o ganhador do prêmio Nobel da Paz de 2006, Mohammad Yunus, o ser
humano se tornou um "robô de fazer dinheiro" -- e essa obsessão o está
impedindo de enfrentar de forma adequada desafios como a erradicação da
pobreza.
Fundador do Grameen Bank, que contribuiu para a inclusão social de
moradores de comunidades carentes de Bangladesh ao conceder a eles
acesso ao microcrédito, o "banqueiro dos pobres" falou rapidamente com a
Folha no fim da tarde desta segunda-feira (18), após participar
de uma sessão dos Diálogos para o Desenvolvimento Sustentável, evento
que integra a programação da Rio+20.
Yunus se mostrou cético em relação aos resultados da cúpula de chefes de
Estado na conferência, mas disse que ela é importante para promover a
troca de ideias entre a sociedade civil. "São os indivíduos,
especialmente os jovens, que podem levantar as questões que não aparecem
nos textos [das negociações]", diz.
Confira a entrevista:
Folha - O tema da erradicação da pobreza é um dos principais em
discussão na Rio+20. O senhor acha que a questão está sendo tratada de
maneira adequada nas negociações?
Mohammad Yunus - A estrutura econômica básica que temos hoje não
contribui para acabar com a pobreza. Foi essa estrutura que criou a
pobreza, e ela não pode solucioná-la. Eu sempre enfatizo que a pobreza
não é criada pelo pobre; ela não é culpa da pessoa. Ela é culpa do
sistema. Por isso precisamos de um sistema alternativo.
O sistema atual é fortemente baseado no dinheiro, tudo gira em torno de
fazer dinheiro. A gente se tornou uma espécie de robôs de fazer
dinheiro. Esquecemos que somos seres humanos. Então precisamos
redescobrir a nós mesmos, lembrar que somos seres humanos. O dinheiro é
parte de nossas vidas, não é nossa vida. Quando percebermos isso vamos
ser capazes de resolver as coisas.
Mas o dinheiro é justamente o tema central das discussões atuais na Rio+20...
Exatamente, e esse é o problema. Porque eles não conseguem pensar fora
dessa estrutura. Alguém aqui citou a mão invisível que resolve todas as
coisas. Eu digo que essa mão não é só invisível, ela não existe. É um
mito que não resolve os problemas, mas a gente continua dizendo que vai
resolver. Isso nos dá esperança, mas continua criando problemas.
O senhor acha então que conferências como a Rio+20 são perda de tempo?
Elas são muito importantes, porque é uma chance de as pessoas se
encontrarem e pensarem sobre o mundo que elas querem para si mesmas.
Porque os governos vêm com seus textos já preparados e ficam tentando
empurrar esses textos uns para os outros. Eles ficam presos a suas
posições. São os indivíduos, especialmente os jovens, que podem levantar
as questões que não estão incluídas nesses textos. É aí que as coisas
começam a acontecer.